Breves Comentários à Convenção n. 189 da OIT: O Trabalho Doméstico em Foco

AuthorIgor Cardoso Garcia - Ney Maranhão
ProfessionJuiz do trabalho Substituto (tRt da 2ª Região). Pós-graduado em direito Processual do trabalho - Juiz do trabalho Substituto (tRt da 8ª Região). especialista em direito Material e Processual do trabalho
Pages299-309

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1. Introdução

Eis que está aí o trabalho doméstico, como um dos temas do momento.

Vem à tona com toda a força, em um turbilhão de críticas e reflexões instaladas pela organização internacional do trabalho - OIT, que ousou hastear a bandeira da dignidade e firmar, não sem algum atraso, que, definitivamente, os trabalhadores domésticos precisam ser arrancados desse terrível espectro de categoria de dimensão inferior que muitos de nós, ainda que involuntariamente, insistimos em cultivar e perpetrar.

Com efeito, a organização internacional do trabalho, em sua centésima (100ª) conferência geral, dia 16.7.2011, em genebra, na Suíça, aprovou a Convenção n. 189 por 396 votos favoráveis, 16 contrários e 63 abstenções, o que equivale à aprovação de 83% dos delegados presentes, e a Recomendação n. 201, por 434 votos favoráveis, 8 contrários e 42 abstenções, o que equivale a 89% dos delegados presentes.

A Convenção n. 189 busca, em síntese, garantir aos trabalhadores domésticos condições de trabalho decente. A inovação vem preencher lacuna desde sempre existente nas relações de trabalho domésticas.

Neste artigo, ofertaremos algumas primeiras impressões sobre cada capítulo da Convenção n. 189 da OIT, com pertinentes citações de termos da Recomendação n. 201, emitida pelo mesmo respeitado ente inter-nacional.

É importante salientar que a aprovação dessa Convenção no brasil terá grandes efeitos. Isto porque o brasil é o país com a maior quantidade de empregados domésticos do mundo - 7,2 milhões de pessoas, segundo reportagem publicada pela organização internacional do trabalho em 9 de janeiro de 20131. Desse total, 93% correspondem a mulheres, seguimento ainda mais marginalizado e relegado a funções com menor ganho salarial.

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Em termos percentuais, o brasil ocupa a 13ª posição, com 7,8% de trabalhadores domésticos dentro da população economicamente ativa, tendo como campeão o Kuait, com 21,9%, em 12º lugar a argentina, com 7,9% e seguido por Hong Kong em 14º, com 7,7%2.

Por sermos a quinta maior população mundial, a quantidade de trabalhadores domésticos, em números absolutos, é maior no brasil, de sorte que a aprovação da Convenção n. 189 da OIT representa fator de melhoria a essa classe, setor historicamente marginalizado, jurídica e culturalmente.

Fincados nessa esperança, passemos, então, sem mais delongas, à análise dos principais itens da Convenção n. 189 da OIT (Convenção n. 189) .

2. Conceito de "trabalhador doméstico"

A Convenção n. 189, em seu art. 1º, prevê que trabalho doméstico designa o trabalho realizado em residências e trabalhador doméstico é toda pessoa que realiza esse trabalho, destacando que tal labor não pode ser ocasional ou esporádico, devendo ser uma ocupação profissional.

Trata-se de definição próxima à brasileira, prevista no art. 1º da lei n. 5.859/72, que assim preceitua: "Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta lei".

Em ambas as definições, a "diarista" - sujeita a regime verdadeiramente esporádico - fica excluída do campo de proteção da Convenção n. 189 e da referida lei, sendo que continua a polêmica em saber precisamente a partir de que frequência de atuação a diarista se transforma em empregada doméstica - ou mesmo se esse seria o melhor critério para tal -, aspectos não resolvidos pela Convenção n. 189 e que, por aqui, continuarão sendo objeto de reflexão doutrinária e jurisprudencial.

3. Particularidades

O art. 2º garante a aplicação da Convenção n. 189 a todos os trabalhadores domésticos, respeitada a definição do art. 1º. Contudo, a OIT, como sói ocorrer, demonstrou cuidado com as particularidades de cada estado, prevendo a possibilidade de afastamento dos benefícios da Convenção caso uma categoria de trabalhadores (dentre os domésticos) tenha proteção equivalente ou maior - nunca menor, frisa-se - ou caso existam problemas especiais de aplicação à categoria limitada de trabalhadores domésticos.

Caso isso ocorra, o país membro deverá indicar à OIT a categoria particular de trabalhadores em tais condições, bem como as razões da exclusão da aplicação e descrever as medidas que tomou para aplicação da Convenção em referência a tais trabalhadores.

4. Medidas para promoção dos direitos humanos e aspectos gerais sindicais

O art. 3º dispõe que todo país membro deverá adotar medidas para garantir a promoção e proteção dos direitos humanos de todos trabalhadores domésticos, assegurando a efetivação dos princípios e direitos fundamentais no trabalho definidos pela OIT, quais sejam: (i) liberdade de associação, liberdade sindical e reconhecimento do direito de negociar coletivamente;

(ii) eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; (iii) abolição do trabalho infantil; e (iv) eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação, conforme previsto no item 2 da declaração da OIT sobre os Princípios e direitos Fundamentais no trabalho3.

Prevê, ainda, que, para existir o efetivo direito de negociação, os países membros deverão garantir o direito dos trabalhadores e empregadores constituírem e afiliarem-se a sindicatos, federações e confederações que entendam convenientes, com condições de cumprir seus estatutos.

Ao ratificar a Convenção em análise, tudo indica que o brasil garantiria a liberdade sindical plena aos trabalhadores e empregadores domésticos. Isso, todavia, vai de encontro ao previsto no art. 8º da Constituição Federal, que estatui a regra da unicidade sindical4. De todo modo, já seria um vislumbre, em solo brasileiro, de alguma tendência quanto à quebra dessa nefasta unicidade, o que, por sinal, representa uma das diretrizes fundamentais do trabalho definidas pela OIT: a liberdade sindical. Por isso, acreditamos, nesse particular, ser

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necessária a aprovação da Convenção n. 189 com o quorum qualificado previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal5, para que ingresse no ordenamento jurídico com força de emenda constitucional e não exista conflito com o disposto no citado art. 8º.

Também o reconhecimento de direitos ligados à seara sindical acarretaria profundas mudanças no regramento jurídico dado ao tema em nosso país.

Como o art. 7º, parágrafo único, da Constituição Federal, não conferiu expressamente aos domésticos o direito ao reconhecimento de convenções e acordos coletivos de trabalho (inciso XXVI) , tem-se negado, por aqui, como regra, a possibilidade de organização sindical e negociação coletiva6. Outro ponto dificulta ainda mais as coisas nessa discussão: os empregadores domésticos, como não são empresa e não exercem atividade econômica, passariam ao largo do conceito de categoria econômica contido no art. 511, § 1º, da Clt e, dessa forma, restaria inviabilizada a constituição de um sindicato patronal doméstico7. Ainda que assim não fosse, cumpre recordar que, a rigor, as regras do texto Consolidado não se aplicam aos trabalhadores domésticos (Clt, art. 7º, a) , o que incluiria, segundo essa linha de raciocínio, as disposições que versam sobre direito sindical8.

Entretanto, acreditamos que nada obsta aos domésticos organizarem-se em sindicato, seja porque a Constituição Federal não o vedou expressamente, como sucedeu com os militares, seja porque tal modalidade de organização constitui simples desdobramento da liberdade de associação para fins lícitos, direito assegurando a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País (art. 5º, caput e VXII) 9. A possibilidade de realizar negociação coletiva, todavia, encontra mesmo contundente óbice na dificuldade técnica de se ter Sindicatos patronais domésticos, seja diante do teor do citado artigo celetista, seja ainda, em última análise, pela sua própria inaplicabilidade à relação jurídica de labor doméstico.

Logo, caso a Convenção n. 189 venha a ingressar no ordenamento jurídico brasileiro, os trabalhadores e empregadores domésticos poderão vir a negociar coletivamente, com a plena aplicação do quanto entabulado, sempre respeitadas as disposições da OIT quanto à liberdade sindical previstas na Convenção n. 87, ainda não ratificada pelo brasil, mas que deve se ter como referência, assim como o quanto previsto no item 2 da Recomendação n. 201 da OIT10. Com isso, atrair-se-ia, portanto, também para essa categoria, o quanto disposto no art. 7º, XXVI, da Carta Magna, quando firma como direito do trabalhador o "reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho".

No entanto, cremos ser imperiosa prévia regulação legal tratando de organização sindical e negociação coletiva nessa seara, haja vista as limitações técnicas ou, a depender da tese, a própria inaplicabilidade do regramento celetista dispensado ao tema e as notórias particularidades que envolvem essa intrincada matéria, que seria verdadeira novidade em solo brasileiro11.

Já o quarto item do art. 3º - eliminação de discriminação em matéria de emprego e ocupação - é fundamental para os domésticos, categoria historicamente marginalizada em nossa sociedade. O...

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