Avanços da tributação ambiental no Brasil

AuthorDenise Lucena Cavalcante
ProfessionPós-Doutora pela Universidade de Lisboa. Doutora pela PUC/SP. Professora de Direito Tributário e Financeiro da UFC
Pages81-110

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Ver Nota142

1. Considerações iniciais

Esse artigo tem por objetivo apresentar alguns pontos relevantes do desenvolvimento da tributação ambiental no contexto brasileiro, destacando a doutrina como também, os avanços da legislação que se instaura no país nos últimos anos.

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Ressalta-se que, sendo o Brasil um país de proporções continentais, muito ainda tem o que ser feito no âmbito da tributação ambiental, principalmente em relação a necessidade de uniformização legislativa entre os entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) que, em alguns casos, têm tido posicionamentos diferentes e, em alguns momentos até antagônicos.

Contudo, mesmo diante das dificuldades em harmonizar a legislação no Brasil, não se pode deixar de reconhecer que os primeiros passos já foram dados e já se observa um processo de redirecionamento do sistema tributário nacional para a proteção ambiental.

O Direito Tributário brasileiro deve ampliar seu foco para dar diretrizes à sustentabilidade financeira, que deverá atuar em prol da sustentabilidade ambiental com a máxima urgência que o caso requer.

2. Sustentabilidade financeira com foco na proteção ambiental

Trataremos aqui da sustentabilidade no sentido utilizado na área jurídica, que é diferente da concepção da área econômica. Na teoria econômica a sustentabilidade financeira refere-se à questão da solvabilidade financeira do governo em relação à dívida pública. Na área jurídica a sustentabilidade está diretamente relacionada com a boa governança focada no desenvolvimento econômico comprometido com o meio ambiente143.

Não se pode mais permitir que o crescimento econômico descontrolado das nações ponha em risco todo o Planeta. Isso seria admitir um assassinato consensual das futuras gerações. Daí por que a palavra de ordem deste novo milênio é sustentabilidade, mesmo cientes de que não será fácil a assimilação das novas diretrizes exigidas por essa nova era,

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uma vez que, em alguns casos, representam mudanças drásticas do comportamento de toda uma civilização.

Para a promoção do desenvolvimento sustentável o mundo contemporâneo tem de definir diretrizes claras e promover medidas diretas, deixando de lado as tradicionais formas de desenvolvimento econômico que só visam ao fim, sem se preocuparem com os meios utilizados e as consequentes formas de deterioração dos recursos ambientais para alcançar suas metas.

No âmbito mundial, o alerta para a questão do desenvolvimento sustentável144foi formalmente consagrado pela ONU por intermédio da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, ao expressar, em 1987, no documento Our Common Future, conhecido também como Relatório Brundtland, que o desenvolvimento sustentável é o que satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades.

O grande desafio, contudo, ainda é a definição de metas para os países em desenvolvimento que necessitam crescer, mas, paralelamente, têm que se adequar às novas diretrizes da chamada economia verde, sendo este um dos objetivos do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), quando formulou um guia para auxiliar os países na elaboração de políticas de financiamento da luta contra a mudança climática.

O desenvolvimento acelerado e desgovernado nas últimas décadas trouxe como consequência a insegurança na preservação da raça humana ante os desequilíbrios ambientais hoje predominantes em todos os cantos do Planeta. Vivemos na era da «sociedade de risco», como bem denominou Ulrich BeCk, na qual os processos de modernização de um lado dis-

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tribuem riquezas e de outro repartem riscos: modernização como causa, dano como efeito colateral.145É momento de uma séria mobilidade internacional com vistas a conter os avanços da devastação ambiental, sob pena de submeter a risco todo o futuro da humanidade. E não adianta uma «política de camuflagem» das atividades exercidas por alguns países desenvolvidos, que têm um discurso em seu território e uma prática bem diferente nos países de Terceiro Mundo, onde comumente exercem suas atividades industriais e poluentes146. Todas as nações precisam ter consciência de que, agora, ante a fragilidade da natureza e dos tantos abusos praticados pelo homem, o risco é global.

No caso dos países em desenvolvimento, como muitos da América Latina, a adequada noção de desenvolvimento sustentável é de enorme relevância, pois não se pode ter uma visão estreita, no sentido de travar o desenvolvimento ou, demasiadamente elástica, ao ponto de causar danos ambientais irreversíveis. Políticas públicas adequadas podem e devem equacionar a fórmula ideal do que se pretende efetivamente descrever

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como desenvolvimento sustentável. E esta fórmula há de considerar os elementos que a integram, sendo tradicionalmente citados o desenvolvimento econômico, a equidade social e o equilíbrio ambiental.

Daí a concordância com a afirmação de que o desenvolvimento não precisa ser contraditório em relação à sustentabilidade147, ao contrário, a introdução da variável ambiental nas atividades econômicas tende a criar mercados e oportunidades. As diretrizes a serem impostas com fulcro no desenvolvimento sustentável não podem ser vistas como bloqueio ao crescimento econômico148, mas sim como possibilidades de novos e diferenciados mercados. Alguns setores já anteciparam este «mercado verde», como, por exemplo, a construção civil, por meio do Green Building e o setor automobilístico, com a fabricação dos veículos não poluentes149, o setor energético quando parte para a produção de energia limpa etc.

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Para alcançar esses objetivos globais temos defendido a criação de uma teoria geral da tributação ambiental transnacional150, com o objetivo de adequar os conceitos universais do Direito Ambiental às finanças públicas, viabilizando, na medida do possível, a elaboração de normas volta-das para as políticas públicas ambientais, principalmente as referentes às atividades estatais regulatórias.

Nesse contexto, é importante que o Brasil, juntamento com os demais países, adequem suas normas fiscais dando ênfase a questão ecológica, afinal, da mesma forma que o ambiente não tem fronteiras, também não poderão ser divergentes as diretrizes do Direito Tributário Ambiental. As nações devem buscar soluções comuns para o bem-estar mundial. Importante é chegar a um consenso mínimo para a elaboração de uma teoria transnacional, com o necessário intercâmbio de experiências dos modelos que já estão sendo utilizados e os que dão certo.

Apresentaremos aqui, sinteticamente, uma descrição geral de algumas medidas ambientais de caráter fiscal já introduzidas no Brasil, esperando contribuir para o necessário estudo comparado da legislação fisco-ambiental, tema dos mais recentes e relevantes no ordenamento jurídico mundial.

3. Perspectivas da tributação ambiental no Brasil

Embora a crise ambiental seja universal, cada país está em momento muito diferente no grau de evolução desta crise. Enquanto no âmbito da União Europeia, por exemplo, avançam as discussões e aperfeiçoamento da cobrança de tributos sobre a poluição, como o carbon tax, já buscando definir preços sobre as emissões do gás carbônico – CO2, países como o Brasil e muitos outros da América Latina ainda lutam para inserir em sua

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cultura a reciclagem do lixo doméstico, utilizando a redução de tributos para fomentar a educação ambiental, como é o exemplo da redução do imposto predial e territorial urbano (IPTU) da cidade brasileira de Fortaleza que, mediante uma lei, concedeu um desconto de 5% aos condomínios residenciais que reciclassem o seu lixo.151

Os instrumentos fiscais ambientais contemporâneos estão se disseminando no país neste momento e fortalecendo a definição e os contornos da tributação ambiental152A sistematização das diretrizes fisco-ambientais deve ser meta governamental, bem como, a contraposição da perspectiva contemporânea da tributação com a proteção do meio ambiente, considerando o fato de que a tributação ambiental tem papel fundamental na promoção da sustentabilidade ambiental.

O momento é de permitir a inovação fiscal na adequação dos tributos às atuais exigências ambientais e esta deve ser necessariamente por meio de uma diretriz governamental. Esperasse que o Estado assuma seu papel de sujeito ativo nesta fase de transição para novos modelos econômicos ditos verdes.

Não se trata simplesmente de reduzir a discussão ao tributo ecológico. Na verdade, sequer se defende um conceito próprio de tributo ambiental, pois entendemos que não se trata de uma espécie tributária distinta das

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que estão em curso. Ao contrário, a tributação ambiental não preconiza uma espécie tributária nova, mas, sim, uma reordenação do sistema tributário com foco na sustentabilidade ambiental.

O que se constata hoje é o surgimento de um novo critério global para o redirecionamento dos sistemas fiscais, qual seja, o critério ambiental, sendo a epistemologia ambiental153 o ponto de partido neste redirecionamento.

De fato, o mundo que se apresenta hoje é completamente diferente dos modelos que tínhamos nas últimas décadas. Outras realidades surgem e nos impõem novas formas de tratar o próprio Direito. E um mundo em transformação exige também transformação do sistema tributário global.

Cada país deve analisar as necessidades de sua sociedade e identificar os problemas locais, inclusive considerando os recursos naturais em seu território, com a...

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