Os Tratados Internacionais como Instrumentos Normativos de Proteção ao Trabalhador

AuthorMarcio Morena Pinto
Pages59-83

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“Os tratados e instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos vieram a mostrar-se dotados, no plano substantivo, de fundamentos e princípios básicos próprios, assim como de um conjunto de normas a requerer uma interpretação e aplicação de modo a lograr a realização do objeto e propósito dos instrumentos de proteção”

(Antônio Augusto Cançado Trindade).

4. 1 Os tratados internacionais na esfera laborativa

Como assinala Nascimento (2008, p. 104), a internacionalização do Direito do Trabalho é altamente recomendável dentro de certos pressupostos, não só pelo aspecto de unidade de tratamento jurídico de proteção ao trabalhador, mas também como modo de realização de um ideal de paz e entendimento entre os povos.

A melhor maneira encontrada pela comunidade internacional para alcançar esse objetivo foi por meio da instituição de tratados internacionais. Inclusive,

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como afirma Moon Jo (2000, p. 80), ainda que o costume internacional predomine em muitas áreas do Direito Internacional, a necessidade de sistematização da socie-dade internacional tem feito com que essa fonte do direito venha perdendo importância. No mesmo sentido, assinala Ariosi (2000, p. 3) que o tratado internacional é atualmente a fonte mais importante de Direito Internacional.

Os próprios Estados reconheceram no preâmbulo da Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados, adotada em 23 de maio de 1969, a importância cada vez maior dos tratados como fonte de Direito Internacional e como meio de desenvolver a cooperação pacífica entre as nações, sejam quais forem os seus regimes constitucionais e sociais. É inegável que a sociedade internacional vem se utilizando dos tratados como o principal meio de legislar sobre Direito Internacional.

Como afirma Ridruejo (2006, p. 196-197), a maior parte dos instrumentos internacionais de codificação reveste a forma de tratados. Com base nisso, convém nos dedicarmos a uma análise dos principais aspectos jurídicos que dizem respeito aos tratados internacionais, à luz da Convenção de 1969, para compreendermos a sua utilização na seara do Direito Internacional do Trabalho.

Pode-se afirmar que os tratados internacionais de natureza trabalhista são uma inovação do século XX. Entre os primeiros conhecidos estão os tratados franco-italianos de 1904, de 1906 e de 1910, versando sobre proteção do operário, infortunística e proteção do menor, respectivamente.

Segundo analisa Nascimento (2008, p. 295), o processo internacional de elaboração da norma jurídica trabalhista caracteriza-se atualmente pela sua visível ampliação, sedimentando-se definitivamente a ponto de não faltarem arautos da internacionalização do Direito do Trabalho. Para o eminente professor, duas seriam as causas dessa evolução.

A primeira delas é a transposição do movimento trabalhista internacional para a esfera do poder negocial dos Estados e para o âmbito comunitário, sendo que, antes, era dependente exclusivamente da iniciativa das próprias organizações trabalhistas. A segunda refere-se à modificação das ideias fundamentais que inspiram o movimento trabalhista internacional.

Como bem assinala, no passado, tratava-se de um problema meramente social e de conquista de força externa para obter implicações internas e, contemporaneamente, se apresenta como um fenômeno decididamente vinculado ao gradual processo de integração econômica e de desenvolvimento dos povos.

É preciso pontuar que os direitos conquistados pelo trabalhador são, outrossim, direitos humanos. E nesta esteira, como reflete muito sensatamente Bobbio (1992, p.
5), os direitos humanos são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo paulatino, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.

Neste mesmo sentido, assinala SACHS (In: PINHEIRO; GUIMARãES, 1998,
p. 134), nunca se insistirá o bastante no fato de que a ascensão dos direitos humanos

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é o resultado de lutas, de que os direitos se conquistam, às vezes com barricadas, em um proceso histórico cheio de de vicissitudes, por meio do qual as necessidades e as aspirações se articulan em reivindicações e estandartes de luta antes de serem reconhecidas como direitos.

Pérez Luño (2001, p. 48) afirma que os direitos humanos constituem um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas. Outra não é a opinião de Rosas (In: EiDE; KrAuSE; roSAS, 1995, p. 243), para quem o conceito de direitos humanos é sempre progressivo e, por essa razão, o debate sobre esses direitos deve fazer sempre parte da nossa história; do nosso passado e do nosso presente.

4. 2 Conceito e características do tratado internacional

Os tratados podem ser definidos como estipulações formais entre dois ou mais Estados, ou ainda entre outras pessoas de Direito Internacional Público, mediante as quais se cria, modifica ou se extingue uma determinada relação jurídica (COSTA, 1955, v. 1, p. 366). Segundo Rezek (2010, p. 14), tratado é todo acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de Direito Internacional Público e destinado a produzir efeitos jurídicos.

Como observa Rousseau (1961, p. 53 e 22), “o tratado internacional impõe uma regra de conduta obrigatória para os Estados signatários: trata-se de um princípio reconhecido pela prática internacional”. Em um sentido mais estrito, define-se mais pela sua forma do que pelo seu conteúdo, reservando-se essa nomenclatura técnica de “tratado” para aqueles compromissos internacionais concluídos com a intervenção formal de um órgão investido da competência para concluir tratados.

A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969 teve como preocupação primeira definir precisamente o que se deveria entender por tratado, chegando à conclusão de tratar-se de um acordo internacional escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, podendo constar de um único instrumento, ou de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica.

Sob uma perspectiva mais ampla, Ariosi (2000, p. 12) coloca o tratado internacional como um elemento de conexão cuja função é unir os laços sociais, econômicos e culturais dentro de um quadro jurídico-institucional caracterizado pelos movimentos da globalização, convertendo a sociedade internacional em uma sociedade cada vez mais integrada e interdependente.

Focando-se mais na seara trabalhista, Nascimento (2008, p. 294) define os tratados como normas jurídicas constituídas por meio de negociações diretas de Estado para Estado, destinadas a resolver ou prevenir situações ou estabelecer regras sobre condições de trabalho que servirão de modelo para a solução de casos futuros.

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No que se refere às distintas denominações que podemos utilizar para os tratados, destacamos: convenção, acordo, protocolo, carta, estatuto, ata, declaração, engagement, arrangement, regulation, provision, exchange of notes, modus vivendi e memorandum, que são as mais empregadas na prática, servindo todas praticamente como sinônimos (ROUSSEAU, 1961, p. 22).

Como analisa Rodas (1991, p. 11), sob o prisma do Direito Internacional, a denominação escolhida não tem influência sobre o caráter do instrumento, importando mais a prática. Cada termo não significa uma modalidade determinada de compromisso internacional, sendo sua utilização livre e muitas vezes até não muito lógica.

Da própria definição dada pela Convenção de Viena de 1969, podem-se extrair alguns elementos essenciais característicos do conceito de tratado internacional. O primeiro deles é o de que a Convenção somente trata dos acordos regidos pelo Direito Internacional, desde que estejam em conformidade com os princípios universais do livre consentimento, da boa-fé e do pacta sunt servanda.

Frise-se que apenas os Estados possuem capacidade jurídica internacional para celebrar tratados, assumindo direitos e obrigações no âmbito externo. Nesse sentido, oportunas as considerações de Ridruejo (2006, p. 87) quando diz que o conceito de tratado se circunscreve aos acordos internacionais entre Estados, excluindo-se aqueles concluídos entre Estados e organizações internacionais, ou entre organizações internacionais entre si.

Os tratados devem assumir a forma escrita, segundo a definição da Convenção de Viena. Sem embargo, consoante o art. 3º, tal exclusão não afeta o valor jurídico dos acordos verbais, nem a aplicação aos mesmos de quaisquer das normas enunciadas na Convenção, às quais estejam submetidos em virtude do Direito Internacional. Tampouco afeta a aplicação da Convenção às relações entre os Estados, em virtude dos acordos internacionais nos quais forem partes outros sujeitos de Direito Internacional.

Os tratados também podem desdobrar-se em um ou mais instrumentos cone-xos já que, como explica Mazzuoli (2001, p. 31), além do texto principal do tratado...

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