A Convenção n. 94 da Organização Internacional do Trabalho e sua aplicação na terceirização no setor público

AuthorJayro de Melo Cavalcanti Filho
ProfessionOficial de Justiça avaliador Federal do tRt da 19ª Região (al). Pós-graduado em direito do trabalho e Processo do trabalho pela Universidade Cândido Mendes
Pages351-356

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Apresentação

O presente trabalho tem por escopo dar visibilidade a uma das convenções da OIT que, a despeito de ratificada pelo brasil há quase cinco décadas, é das mais desrespeitadas e também esquecidas pela doutrina e jurisprudência.

Pouco citada pela doutrina e quase nunca aplicada pelos tribunais, a Convenção n. 94, que trata de Cláusulas de trabalho em Contratos com órgãos Públicos, precisa ser lembrada por aqueles que se preocupam com a melhoria das condições de vida da classe trabalhadora.

Dessa forma, após um breve histórico, iremos discorrer sobre sua aplicação como parâmetro para controle de convencionalidade das leis e atos do poder público, buscando instigar o debate para o importante tema da terceirização de mão de obra no serviço público, principalmente em época de expansão econômica e utilização de vultosas contias na construção de obras públicas.

1. Escorço histórico

A Convenção n. 94 da organização internacional do trabalho, que cuida de Cláusulas de trabalho em Contratos com órgãos Públicos, foi aprovada na 32ª reunião da Conferência internacional do trabalho, corrida em genebra no ano de 1949, e entrou em vigor no plano internacional em 20.9.1952. Em nosso ordenamento, teve aprovação através do decreto legislativo n. 20, de 1965, com ratificação em 18.6.1965 e promulgação pelo decreto n. 58.818 de 14.7.1966 entrando em vigor no dia 18.6.1966.

Consta que em 19.10.1973 o então presidente emílio garrastazu Médici tornou pública a denúncia dessa Convenção através do decreto n. 72.968. Arnaldo Sussekind1 relata que interferiu junto ao executivo e "antes de decorrido o prazo de doze meses para a eficácia da denúncia, o Presidente Ernesto Geisel, acolhendo nossas ponderações" veio a reconsiderar a denúncia com o decreto n. 74.688, de 14.10.1974 "tornando sem efeito aqueloutro e reafirmando a adesão do Brasil à Convenção n. 94."2

A OIT publicou no mesmo ano de 1949 a Recomendação n. 84.3

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A referida Convenção tem aplicação (art. 1.1) na observância pelo poder público nos contratos firmados em que sua execução acarrete o gasto do erário e o emprego de trabalhadores da outra parte contratante, tendo como objeto obras públicas de construção civil, fabricação ou manuseio de materiais e, principalmente, (art. 1.1.c.iii) a execução ou o fornecimento de serviços. Inclusive quando executado por subcontratante ou por cessionários de contratos (art. 1.3) . Os contratos firmados deverão conter cláusulas garantindo aos trabalhadores seus direitos mínimos, como salários, horário de trabalho e outras condições de labor (art. 2.1) , além de sanções adequadas (art. 5.1 e 2) tais como a denegação de contrato ou retenção dos pagamentos devidos em caso de infração à observação e à aplicação das cláusulas inseridas nos contratos.

A Convenção n. 94, cuja vigência no plano interno é contemporânea ao decreto-lei n. 200 de 25.2.1967, que veio a tratar da descentralização administrativa e "induzia a administração estatal a desobrigar-se da realização de tarefas executivas, instrumentais, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta mediante contrato".4 (godinho 439) o referido decreto-lei, juntamente com "antigas referências celetistas sobre empreitada e subempreitada (arts. 455 e 652, a, III, CLT) "5 são as primeiras normas que, em nosso país, viriam a tratar do fenômeno da terceirização.6

Ainda é desse período a denúncia da Convenção da OIT n. 96 Concernente aos escritórios Remunerados de emprego,7 estes entendidos, para os fins da referida Convenção, como sendo "toda pessoa, sociedade, instituição, agência ou outra organização que serve de intermediária para pronunciar emprego a um trabalhador para um empregador, com a finalidade de tirar de um ou de outro aproveito material direto ou indireto"8. A

Convenção n. 96 estabelece que as agências de colocação de mão de obra com fins lucrativos deverão ter sua supressão de forma progressiva.9

A despeito de todo o cenário que se formou na construção do emprego intermediado por empresa interposta. A observância da Convenção n. 94 da OIT nesse ínterim teria dado, no nosso entender, um freio à terceirização desenfreada que tomou conta do mercado de trabalho em nosso país. A desconstrução do emprego tomado diretamente para toadora da mão de obra chegou ao ponto de haver produção legislativa10 cuja interpretação inicial foi no sentido de poder existir uma empresa sem empregados seus.11 Um paradoxo com o valor social do trabalho, fundamento de nossa república.

O mais grave é que o estado, ao contratar empresas para intermediação de mão de obra, sem a observação de mínimos requisitos legais quanto aos trabalhadores contratados, está a dar exemplo negativo à iniciativa privada para que também descumpra a lei e os preceitos garantidores dos direitos trabalhistas essenciais.

O estado brasileiro, nos dias atuais em que obras públicas proliferam por todo o país, não tem dado a importância devida à Convenção n. 94. Tanto que a OIT, ano passado, reclamou do relatório dissociado de seus propósitos, onde foram apresentados dados sobre condições de trabalho no serviço público, ao invés do efetivo cumprimento de cláusulas sociais inscritas nos contratos firmados pela administração.12

Ademais, a declaração de objetivos da organização internacional do trabalho, Conferência de Filadélfia de 1944, insculpiu o princípio de que o trabalho humano não é uma mercadoria. E nesses termos o barateamento da mão de obra como um mero insumo na cadeia produtiva visando o maior lucro e ao menor custo tem ceifado, nesse ínterim, vidas humanas e dilacerado famílias.13

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2. Aplicação da Convenção n 94 no brasil

O trabalho é fonte de sustento das pessoas, pois garante a subsistência do trabalhador e de sua família, suprindo suas necessidades básicas. No entanto, as relações trabalhistas não são das mais harmônicas visto haver, desde os primórdios, vários níveis de exploração. A respeito "já diziam os romanos que ‘os escravos nascem ou são feitos’".14 dessa forma, a leniência do estado com as empresas contratadas que descumprem as cláusulas sociais garantidoras dos mínimos direitos trabalhistas tem feito surgir até mesmo casos de trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão, custeada com recursos públicos.15

O ideário do trabalho decente, uma das principais bandeiras levantadas pela organização internacional do trabalho, permeia o desiderato de uma sociedade mais justa e igualitária. Pode-se definir como sendo "o trabalho produtivo adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna".16 estrutura-se a partir do respeito às normais internacionais do trabalho para que haja o exercício de emprego de qualidade, protegido socialmente e promovido pelo diálogo social com a participação de empregados, empregadores e estado.17

Nesse sentido o objetivo da Convenção n. 94 da organização internacional do trabalho, o de incluir cláusulas nos contratos realizados entre as empresas e os órgãos públicos, como forma a garantir condições dignas de um trabalho decente nos moldes acima. O seu descumprimento passa, inclusive, pela irresponsabilidade administrativa positivada pelo art. 71, § 1º, da lei n. 8.666/93 (lei das licitações) , que giza que o contratado é o responsável pelos encargos trabalhistas e que seu inadimplemento não transfere à administração a responsabilidade pelo pagamento de tais verbas.

No julgamento da ADC n. 16, o Supremo tribunal Federal firmou entendimento de haver compatibilidade entre o referido preceito normativo com a Constituição da República. Havendo, porém, a possibilidade de reconhecimento da responsabilidade, pela Justiça do trabalho, a depender dos fatos de cada causa. Tal decisão resultou na modificação da redação do inciso v da Súmula n. 331 do TST, cujo novo texto limitou a responsabilidade...

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