O Mercado Comum do Sul (MERCOSUL)

AuthorMarcio Morena Pinto
Pages129-148

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“A plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados-Partes”

(Protocolo de Ushuaia, artigo 1º).

7. 1 A formação do bloco econômico: aspectos históricos, políticos e sociais

O Mercado Comum do Sul, mais conhecido pela sua sigla MERCOSUL, constituiu uma das experiências de integração regional latino-americana mais relevantes do século XX. Nessa experiência integrativa se encontraram originalmente envolvidas a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai, por meio da assinatura do Tratado de Assunção, em 26 de março de 1991.

A origem imediata do processo de formação do MERCOSUL nos remete aos anos 50, momento em que a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) visava impulsionar estratégias de cooperação para o desenvolvimento da região, por meio da implantação de políticas, cujo objetivo estratégico era justamente

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promover a integração econômica regional, evitando, dessa forma, que a dependência externa se tornasse um obstáculo ao crescimento das economias latino-americanas.

O primeiro impulso para alcançar esse propósito teve lugar no Rio de Janeiro, em 1954, com a reunião do Conselho Interamericano Econômico e Social. Mas foi somente em 18 de fevereiro de 1960 que esse propósito cristalizou-se, com a assinatura do primeiro Tratado de Montevidéu, mediante o qual Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai criaram a Associação Latino-americana de Livre Comércio (ALALC), com fundamento jurídico no artigo XXIV do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT). Posteriormente se incorporaram ao grupo Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela.

A meta final da ALALC era a conformação de uma zona de livre comércio que deveria ser implementada em doze anos, por meio de uma progressiva integração das economias dos Estados-Membros, que se daria pela eliminação gradual das barreiras ao comércio intrarregional, até que se alcançasse a sua supressão definitiva.

No entanto, essa Associação não conseguiu atingir as suas finalidades. Dentre algumas razões para o seu fracasso, destacamos as três mais relevantes: descumprimento dos cronogramas para o estabelecimento das tarifas aduaneiras comuns; diferente nível de desenvolvimento das economias dos países-membros; e uma política de substituição de importações, aplicada pelos governos militares da época, totalmente conflitante com o propósito de estabelecer-se uma zona de livre comércio.

A ALALC fracassou definitivamente em 1980. Mas ainda que tenha sido uma experiência infrutífera no que concerne aos seus resultados finais, constituiu inegavelmente o princípio de uma tentativa global de integração latino-americana, como bem observou Vacchino (1987, p. 26-27).

Após essa primeira desilusão, Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela, Colômbia, Bolívia e Equador resolveram colocar em prática um mecanismo para reestruturar esse organismo, decidindo, no dia 12 de agosto de 1980, assinar o Tratado de Montevidéu, que deu origem à Associação Latino-Americana de Integração (ALADI).

Essa nova instituição, muito mais aberta e flexível, introduziu mudanças profundas na orientação do processo e na concepção de sua operação. O programa de liberação comercial multilateral e seus mecanismos auxiliares foram substituídos por uma área de preferências econômicas integrada por um conjunto de dispositivos que compreendia uma preferência tarifária e acordos de alcance regional, estabelecendo progressivamente um mercado comum latino-americano.

Como analisa Jaguaribe (2005, p. 80), é inegável que tanto a ALALC como a ALADI constituíram as raízes do processo de integração regional do Cone Sul, contudo, o verdadeiro impulso para a formação do MERCOSUL foi dado pela aliança

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estratégica regional originada graças à aproximação bilateral entre os governos de Brasil e da Argentina que, a partir dos anos 70, iniciaram um regime crescente de colaboração.

Note-se ainda que as políticas exteriores de ambos os países possuíam importantes pontos de convergência. Argentina e Brasil compartilhavam, por volta da década de 80, uma posição defensiva frente ao mundo, que poderia robustecer-se com a união de forças entre as duas nações (CISNEIROS, PIñEIRO, 2002, p.476).

Em 6 de abril de 1988 foi firmada a “Ata da Alvorada, Decisão Tripartite n. 1”, que materializou o ingresso do Uruguai ao processo de integração argentino–brasileiro. E aos 29 de novembro de 1988, os dois países subscreveram em Buenos Aires o “Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento”, com o objetivo de estabelecer um marco permanente para o projeto integracionista.

A motivação última desse tratado foi a de consolidação do processo de integração e de criação de um espaço econômico comum, visando eliminar todos os obstáculos tarifários ao comércio de bens e serviços em um prazo máximo de 10 anos.

Aos 6 de julho de 1990, Brasil e Argentina firmaram a “Ata de Buenos Aires”, com o comprometimento de alcançar a conformação de um mercado comum em 31 de dezembro de 1994, incumbindo ao Grupo Mercado Comum (GMC) a elaboração de uma proposta com as medidas necessárias para alcançar essa meta.

Os dois Estados resolveram então acelerar o processo, mediante a sistematização dos acordos preexistentes, adiantando em cinco anos o cronograma previsto. Por meio da assinatura do “Acordo de Complementação Econômica n. 14”, em 20 de dezembro de 1990, consagraram-se as Resoluções que haviam sido adotadas, constituindo-se num dos principais incentivos para a criação do MERCOSUR. Na mesma data foi assinado o “Tratado para o estabelecimento de um Estatuto de Empresas Binacionais Argentino-Brasileiras” para a integração e complementação da parceria no âmbito empresarial.

Ao se darem conta do inédito êxito na história das relações exteriores do Brasil e da Argentina, Paraguai e Uruguai manifestaram a vontade de se somarem ao projeto, pretensão que foi acolhida e alentada pelos dois países, dando-se início a uma segunda etapa no processo de integração sub-regional.

Dessa forma, sobre a base de uma série de acordos prévios, os presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram em 26 de março de 1991 a ata fundacional do MERCOSUL, o já referido “Tratado de Assunção”, que entrou em vigor aos 2 de dezembro do mesmo ano.

O escopo primordial desse tratado foi, obviamente, a integração dos quatro Estados-parte, estabelecendo-se um compromisso para constituir num futuro próximo: um autêntico mercado comum (por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos); uma tarifa externa e uma política comercial comuns; e uma coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, harmonizando-se as legislações nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento do processo.

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O segundo passo importante no processo de implementação do MERCOSUL foi dado na “Conferência de Presidentes de Ouro Preto”, em dezembro de 1994, quando aprovou-se um protocolo adicional ao Tratado de Assunção, o “Protocolo de Ouro Preto”.

O “Protocolo de Ouro Preto” estabeleceu uma estrutura institucional ao bloco, pondo fim ao período de transição com a adoção dos instrumentos fundamentais da política comercial comum que iriam reger a zona de livre comércio e a união aduaneira, caracterizada hoje por uma tarifa alfandegária externa comum.

Em 24 de julho de 1998, os membros permanentes do MERCOSUL e seus dois membros associados, Bolívia e Chile, assinaram o “Protocolo de Ushuaia sobre compromisso democrático no MERCOSUL”, que consagrava a plena vigência das instituições democráticas como condição essencial para o desenvolvimento dos processos de integração entre os Estados mercosurenhos.

Nesse diapasão, a base axiológica do MERCOSUL se viu claramente reforçada com a criação do “Foro de Consulta e Concertação” (MERCOSUL/CMC/DEC N. 18/98), que reafirmou a importância de sua crescente dimensão política, requerendo um maior grau de coordenação entre os órgãos formadores de sua estrutura que tratassem de temas cuja natureza não fosse estritamente econômico-comercial.

Na XVIII Reunião do Conselho do Mercado Comum, os Estados-Parte do MERCOSUL decidiram encarar uma nova etapa no processo de integração regional, visando reforçar a união aduaneira tanto no âmbito intracomunitário como no extracomunitário. Nesse marco, os governos dos quatro Estados reconheceram a necessidade de promocionar uma maior convergência macroeconômica, caso quisessem avançar no processo de integração. Desde então, o bloco tem buscado adotar políticas fiscais que assegurem a sua solvência, bem como políticas monetárias que garantam a estabilidade dos preços.

Para tanto, o Conselho do Mercado Comum considerou uma agenda de trabalho prioritária, concernindo às seguintes temáticas: acesso ao mercado; maior agilidade nos trâmites de fronteira; incentivos aos investimentos, à produção e à exportação (incluindo as zonas francas); admissão temporária e outros regimes especiais; tarifa alfandegária comum; defesa comercial e da concorrência; solução de controvérsias; incorporação da normativa MERCOSUL; fortalecimento institucional; e relações exteriores...

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