A integração das Normas da OIT no Ordenamento Jurídico Brasileiro

AuthorMarcio Morena Pinto
Pages111-127

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“(...) resulta claro que a tese da paridade entre os tratados internacionais e a legislação infraconstitucional padece de incongruências irremediáveis e mostra-se inaplicável no tocante aos tratados de direitos humanos. A máxima lex posteriori derogat priori em nada afeta ou prejudica os tratados de direitos humanos vigentes; as leis nacionais hão de ser interpretadas de modo a que não entrem em conflito com a normativa internacional de proteção que vincula o país, sob pena de configuração de sua responsabilidade internacional”

(Antônio Augusto Cançado Trindade).

6. 1 Soberania estatal e as normas emanadas da OIT

Para atingir as suas finalidades, os meios de que o Direito Internacional do Trabalho dispõe são basicamente os seguintes: a) atividade normativa tendente a incorporar direitos e obrigações; e b) programas de assistência técnica destinados a harmonizar o desenvolvimento econômico com o progresso social (MARTINS FILHO, 2009, p. 478).

Destarte, resta claro que o papel de cada Estado é o de incorporar ao ordenamento jurídico pátrio os direitos e obrigações resultantes da atividade normativa que compõe o Direito Internacional do Trabalho. Nesse contexto, como leciona Süssekind (2000, p. 17), essa incorporação compreende os tratados bilaterais ou

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plurilaterais firmados entre Estados, bem como os tratados multilaterais ou universais (mais conhecidos sob a denominação de convenção ou pacto), abertos à ratificação dos Estados-Membros da organização que os aprovou. In casu, a Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Além dos Tratados e das Convenções emanadas da OIT, há que se considerar também as Declarações, Recomendações e Resoluções da OIT que, apesar de não serem ratificáveis, poderão ser incorporadas ao ordenamento interno de cada país por meio de processo legislativo ou outra forma que se entenda viável (§ 5º, a, § 6º, a), determinando-lhes o status de fontes materiais de direito.

Quer se trate de uma Convenção, quer de uma Recomendação, os Estados--Membros deverão informar à Repartição Internacional do Trabalho sobre as providências adotadas para submeter o instrumento internacional à autoridade competente, com os dados relativos a essa autoridade e as medidas então aprovadas (artigo 19, § 5º, c, e § 6º, c). Nesse diapasão, note-se que existem certos aspectos jurídicos que diferenciam a Convenção da Recomendação e que devem ser analisados.

Em se tratando de uma Convenção, se a autoridade competente do Estado--Membro aprová-la, este deverá comunicar a ratificação formal do diploma ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho, tomando as medidas necessárias para efetivar as disposições da referida Convenção (art. 19, § 5º, d).

Há a possibilidade de a autoridade competente concordar apenas com alguns capítulos ou preceitos da Convenção, podendo transformá-los em leis, ou adotar outras medidas. No entanto, sua aprovação e consequente ratificação não serão possíveis, salvo se no próprio instrumento vier facultado ao Estado a possibilidade de uma ratificação parcial.

Conforme o art. 22 da Constituição da OIT, em havendo a ratificação, os Estados-Membros comprometem-se a apresentar à Repartição Internacional do Trabalho um relatório anual sobre as medidas por eles tomadas para execução das convenções a que aderiram. Esses relatórios serão redigidos na forma indicada pelo Conselho de Administração e deverão conter as informações por ele solicitadas, para que sejam analisados por uma Comissão de Peritos da própria Repartição e julgados pela Conferência Internacional.

Enquanto a Convenção não for ratificada, caberá ao respectivo Governo informar ao Diretor-Geral da RIT, nas datas predeterminadas pelo Conselho de Administração, sobre o estado de sua legislação na prática, no que concerne aos assuntos versados no diploma, indicando, ainda, em que medida aplica ou se propõe a colocar em execução, qualquer das suas disposições, seja por via legislativa ou administrativa, seja mediante contratos coletivos ou outra forma, esclarecendo ainda as dificuldades que impedem ou retardam a ratificação.

Em se tratando de uma Recomendação, a autoridade competente compromete-se a submetê-la, dentro do prazo de um ano a partir do encerramento da sessão

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da Conferência (ou, quando, em razão de circunstâncias excepcionais, tal não for possível, logo que o seja, sem nunca exceder o prazo de 18 meses após o referido encerramento), à autoridade ou autoridades em cuja competência se insira a matéria, a fim de que esta a transforme em lei, ou considere apenas alguns dos seus dispositivos, ou ainda, simplesmente, tome ciência do diploma internacional, sem aprovar qualquer providência que lhe seja pertinente (art. 19, § 6º, b).

Por se tratar de uma Recomendação, não há que se falar em ratificação por parte do Estado-membro, o que poderá ocorrer é que a autoridade competente converta seus dispositivos em normas, mas por meio de um processo ordinário de elaboração legislativa (art. 19, § 6º, d).

Note-se que o Estado-membro não está obrigado a enviar relatórios anuais sobre a aplicação da Recomendação, cumprindo-lhe somente informar ao Diretor--Geral da Repartição Internacional do Trabalho, quando por ele for solicitado, sobre a o estado de sua legislação e prática atinente ao assunto de que trata a Recomendação, precisando até que ponto aplicou ou pretende aplicar os seus dispositivos, indicando, outrossim, as modificações destes dispositivos que sejam ou venham a ser necessárias para adotá-los ou aplicá-los. (artigo 19, § 6º, d).

Uma vez filiado à OIT e se tornando signatário da sua Constituição, o respectivo Estado contrai a obrigação formal de submeter-se às Convenções e Recomendações adotadas pela Conferência à autoridade competente ex ratione materiae para aprovar tratados, elaborar leis ou adotar medidas sobre o assunto no diploma internacional.

Portanto, frise-se que, do ponto de vista do Direito Internacional, o Estado, uma vez que se submete à OIT, estará obrigado a cumprir as suas normas, desde que as ratifique por meio de um procedimento interno que vise preservar a sua soberania nacional, conceito de suma importância no Direito Internacional. Entretanto, é preciso levantar um ponto de grande importância que envolve o paradoxo entre a obrigatoriedade do cumprimento dos Tratados e Convenções internacionais e a preservação da soberania estatal.

Dada a relevância do tema, nos permitimos uma pequena digressão para melhor analisar o tema.

Apesar de os Estados possuírem numerosas diferenças em termos sociais, políticos, econômicos, culturais e de outra natureza, todos se aproximam por meio de um elemento jurídico e político comum: a soberania. É notável que a soberania constitui o traço mais peculiar do Estado, sendo o que o diferencia de outras formas de organização política (AzAMBUJA, 2001, p. 49).

Dizia Jellinek (1915, p. 74) que a soberania é, em sua origem histórica, uma concepção política que somente mais tarde se condensou numa concepção de ín-dole jurídica. Ademais, assinalava que a sua noção não havia sido descoberta no gabinete de sábios isolados do mundo mundo, mas que devia a sua existência a forças muito profundas, cujas lutas formam o conteúdo de séculos inteiros.

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A ideia de soberania se produziu a partir da criação do Estado moderno, sendo Jean Bodin quem ofereceu uma de suas primeiras e mais celebradas teorias, definindo-a como um “poder absoluto e perpétuo de uma república”, já que esta não pode ser limitada “nem em poder, nem em responsabilidade, nem em tempo” (BODIN, 1997, p. 47-49). Portanto, a quem ostentasse essa soberania, caberia o poder ilimitado e indivisível de fazer as leis sem essar sujeito ao seu cumprimento.

A soberania tem sido vista historicamente como uma “qualidade do poder”. Por conseguinte, sempre foi considerado soberano o Estado que não dependesse de outro, ou seja, o Estado que fosse politicamente independente. Somente no século XX a soberania ganhou novos contornos e passou a ser vista como um rol de competências que o Estado possui, sendo-lhe outorgadas pela ordem jurídica internacional à qual se encontra direta e imediatamente subordinado.

Em sua dimensão histórico-política, a soberania serviu de fundamento para muitas das conquistas territoriais realizadas pelos Estados e, principalmente, para justificar a noção jurídica do poder estatal. Numa concepção especificamente jurídica, a soberania sempre refletiu a expressão do poder, mas um poder decisório, em última instância, sobre a atributividade das normas, ou seja, sobre a eficácia do direito (KAPLAN, KATzENBACH, 1964, p. 68).

Baseando-se nessa mesma tríade relacional, Reale (2002, p. 139) desdobra a soberania em três aspectos: a) histórico: a soberania é o poder que possui uma sociedade historicamente integrada como Nação de constituir-se em Estado independente; b) jurídico: a soberania é o poder de uma Nação juridicamente constituída; e c) político: a soberania é o médio indispensável à realização do bem comum em toda a convivência nacional. Portanto, reafirma que o problema da soberania é social, jurídico e político, sendo a confluência desses elementos que a torna um poder peculiar do Estado.

O que realmente deve ser destacado é a dúplice dimensão, irredutível, da soberania, a qual abarca, por suposto, as esferas política e jurídica. Como assinala Carrillo Salcedo (1976, p. 80), extrair da concepção de soberania os atributos do poder político, reduzindo-a a um simples exercício de competências, pode satisfazer ao jurista, mas não pode ser considerada a melhor alternativa, porque a soberania é uma noção vinculada simultaneamente à política e ao direito, não sendo possível...

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