A Contribuição do Juiz Internacional à Noção de Direito Imperativo na Ordem Jurídica Internacional: Análise Comparada da Jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Parte 1)

AuthorCatherine Maria
Pages1-45
A Contribuição Do Juiz Internacional à Noção do Direito Imperativo na Ordem Jurídica Internacional
A CONTRIBUIÇÃO DO JUIZ INTERNACIONAL A NOÇÃO DE
DIREITO
IMPERATIVO NA ORDEM JURIDICA INTERNACIONAL: ANALISE
COMPARADA DA JURISPRUDENCIA DA CORTE INTERNACIONAL
DE JUSTIÇA E DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMA-
NOS (PARTE 1)
Catherine Maia1
RESUMO
O propósito do presente artigo consiste em fazer um balanço da contribuição do
juiz internacional à noção de direito imperativo (jus cogens-
mente a jurisprudência da Corte Internacional de Justiça (CIJ) e da Corte Interame-
ricana de Direitos Humanos (Corte IDH).
ABSTRACT
The purpose of the present article is to make a balance of the international judge
contribution to the notion of peremptory law (jus cogens
jurisprudence of the International Court of Justice (ICJ) and the Inter-American
Court of Human Rights (IACHR).
RESUME
L’objectif de cet article consiste à faire un bilan de la contribution du juge interna-
tional à la notion de droit impératif (jus cogens 
jurisprudence de la Cour internationale de Justice (CIJ) et de la Cour interaméri-
caine des droits de l’Homme (Cour IDH).
1 Catherine Maia é Professora na Faculdade de Direito da Universidade Lusófona do Porto (Portugal).
Também leciona no Instituto de Estudos Políticos (Sciences Po) e na Universidade Católica de Lille
(França). O presente artigo foi elaborado a partir da palestra proferida durante o VIII Curso de Inverno
de Direito Internacional do CEDIN em 2012, sintetizando dois artigos anteriores: «Le juge international
au cœur du dévoilement du droit impératif: entre nécessité et prudence», Revue de Droit International,
de Sciences Diplomatiques et Politiques, vol. 83, 2005, pp. 1-36; «Le jus cogens dans la jurisprudence
de la Cour interaméricaine des droits de l’Homme», in L. HENNEBEL, H. TIGROUDJA (dir.), Le cin-
quantième anniversaire de l’adoption de la Convention américaine des droits de l’Homme, Bruxelles,
Bruylant, 2009, pp. 271-311. A autora agradece na pessoa do Professor Doutor Leonardo Nemer Cal-
        
especial também vai para o Doutor Rafael Clemente Oliveira do Prado pela sua preciosa releitura do
presente texto.
Nota: as traduções necessárias para a elaboração deste trabalho são nossas.
IX ANUÁRIO DE DIREITO INTERNACIONAL
Apesar de ter raízes antigas, a idé 
muito tempo um conceito meramente doutrinal. Ela só se impôs realmente no iní-
cio dos anos 1960 através do trabalho da Comissão de Direito Internacional (CDI)
sobre o direito dos tratados. Noção inicialmente controversa, ela estabeleceu-se
           
(CVDT) de 19692.
  
jus cogens
uma dessas normas. Ela deixou de lado o delicado problema do conteúdo dessas
    
ou tautológica. De fato, conforme o artigo 53 da CVDT, “uma norma imperativa de
direito internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade in-


geral da mesma natureza”. -
tivas sob pena de nulidade absoluta (ou seja uma nulidade incapaz de ser coberta
pelo assentimento das partes ao acordo) e ab initio (ou ex tunc 
elas só podem ser alteradas por regras de mesmo caráter, este artigo apenas descre-

-
dade de um regime jurídico convencional em razão dos interesses comuns em cau-
-
via, a fórmula adotada de uma “norma cuja derrogação não é permitida”, responde
à pergunta com uma outra pergunta, pois a inderrogabilidade não é a explicação
   -
belecida entre “normas imperativas” e “ normas inderrogáveis” é mais um círculo
3.
2 de 35 Estados, a entrada em vigor da CVDT de 23 de maio de 1969 ocorreu
em 27 de janeiro de 1980 para os Estados  Desde então, a Convenção tem sido
amplamente  Em 25 de junho de 2013, havia 113  (fonte: ONU, Treaty Collection,
http://treaties.un.org/).
3 jus cogens. Ver
inter alia: M. CHEMILLIER-GENDREAU, Humanité et souverainetés. Essai sur la fonction du droit
internationa l, Paris, La Découverte, 1995, pp. 93-94; F.R. TESÓN, A Philosophy of International Law,
Boulder, Westview, 1998, p.93; A.P. PAULUS, «Jus cogens in a time of hegemony and fragmentation:
an attempt at a re-appraisal», Nordic Journal of International Law, vol. 74, 2005, p.302; R.PUCEIRO
RIPOLL, «Las normas de jus cogens: ¿fenómeno exclusivamente universal o también eventualmente
regional?», in OEA, XXVII Curso de derecho internacional, Washington, D.C., Secretaría General,
Subsecretaría de asuntos jurídicos, 2001, p.389; D.CARREAU, Droit international, Paris, Pedone,
2004, p. 76. Patrick DAILLIER e Alain PELLET NOTAM, contudo, que se  
não é muito precisa, não é menos, por exemplo,   uma “prática geral
aceita como direito. Esta última, embora possa suscitar difíceis problemas práticos, é considerada,
no entanto, como intelectualmente satisfatória (Droit international public, Paris, LGDJ, 2002, p. 202).
Esta opinião é também partilhada por Robert KOLB, para o qual o papel de  jus
cogens não pode ser o de dar critérios detalhados (éorie du ius cogens international. Essai de relecture
A Contribuição Do Juiz Internacional à Noção do Direito Imperativo na Ordem Jurídica Internacional
Além disso, o artigo 53 deve ser aproximado do artigo 64 da CVDT. De
jus cogens-
za dinâmica (jus cogens superveniens): “Se sobrevier uma nova norma imperativa
       
com essa norma torna-se nulo e extingue-se”4.
jus cogens con-
  
       
uma lista exaustiva. Deste modo, não encontramos nenhum inventário de normas
imperativas nem no texto da CVDT de 19695 
contratual pela nulidade absoluta, nem nos Artigos sobre a Responsabilidade do

pública extracontratual por uma responsabilidade agravada, mesmo se estes últi-
mos dedicam o seu capítulo III às “Violações graves das obrigações resultantes de
     
    jus co-
gens deixando a porta aberta para desenvolvimentos de lege ferenda.
   
       
alguns exemplos de tais normas. Ela cita nos seus comentários, inter alia, um uso
da força contrário aos princípios da Carta da ONU, a proibição da escravidão, da
pirataria, da discriminação racial, ou ainda do genocídio... No entanto, a Comissão
renunciou em propor uma lista exaustiva, pronunciando-se contra a inclusão de
du concept, Paris, PUF, 2001, p.86).
4 O artigo 71 da CVDT prevê as “Consequências da nulidade de um tratado incompatível com uma
norma imperativa de direito internacional geral”, conrmando os efeitos retroativos da invalidade
ligada ao direito imperativo:
“1. No caso de um tratado nulo em virtude do artigo 53, as partes são obrigadas a:
a) Eliminar, na medida do possível, as consequências de qualquer ato praticado com base em uma
disposição que esteja em conito com a norma imperativa de direito internacional geral; e
b) Adaptar suas relações mútuas à norma imperativa do direito internacional geral.
2. Quando um tratado se torne nulo e seja extinto, nos termos do artigo 64, a extinção do tratado:
a) Libera as partes de qualquer obrigação de continuar a cumprir o tratado;
b) Não prejudica qualquer direito, obrigação ou situação jurídica das Partes, criados pela execução
do tratado, antes de sua extinção; entretanto, esses direitos, obrigações ou situações só podem ser
mantidos posteriormente, na medida em que sua manutenção não entre em conito com a nova
norma imperativa de direito internacional geral”.
5 A única norma expressamente identicada como levando à nulidade absoluta dos tratados contrários
é a proibição das convenções celebradas sob a coação exercida sobre um Estado pela ameaça ou pelo
uso da força. No entanto, ela insere-se numa disposição distinta, o artigo 52, o qual estabelece que:
“É nulo um tratado cuja conclusão foi obtida pela ameaça ou o emprego da força em violação dos
princípios de direito internacional incorporados na Carta das Nações Unidas”. Este artigo 52 deve ser
aproximado do artigo 51 que também proíbe qualquer coação sobre o representante de um Estado:
“Não produzirá qualquer efeito jurídico a manifestação do consentimento de um Estado em obrigar-se
por um tratado que tenha sido obtida pela coação de seu representante, por meio de atos ou ameaças
dirigidas contra ele”.

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